35 anos sem Raul Seixas. Ele esteve em Marechal Cândido Rondon em 1976
Hoje, 21 de agosto de 2024, marca 35 anos desde a perda de Raul Seixas, um dos ícones mais influentes da música brasileira.
O artista, que faleceu em seu apartamento em São Paulo em 1989, teve sua vida encerrada prematuramente devido a um ataque cardíaco. Este evento foi agravado pelo alcoolismo crônico e complicações relacionadas ao diabetes, resultando em uma pancreatite aguda fulminante.
Em agosto de 1976 Raul Seixas fez uma turnê-relâmpago pelo Paraná, apresentando-se em 10 cidades em 10 dias. Nessa excursão Raul levou para acompanhá-lo três membros da banda Flamboyant: Áureo (bateria), Carlinhos (baixo) e Gabriel O’Meara (guitarra).
O guitarrista O’Meara, que também fez parte do lendário Peso, e era jornalista, fez um diário da passagem de Raul pelo Paraná, e publicou no Jornal de Música nº 22 (setembro/76):
“A turnê deveria ter começado no dia 1º de agosto, mas foi adiada por algumas semanas porque Raul Seixas teve que se hospitalizar: bombardeou os intestinos com muito álcool e acabou ficando com uma inflamação no pâncreas. Bom, mas todo mundo sabe que Raul Seixas é um malucão, que a metamorfose ambulante é a história da sua vida, etc e tal.
No dia 11 de agosto deixamos o Rio rumo à Curitiba, via São Paulo. Só que ficamos presos em são Paulo devido ao mau tempo. Raul levou todo mundo para comer suki-yaki num restaurante japonês.
No dia seguinte alugamos dois carros e fomos para Londrina, uma viagem de nove horas na maior chuva. Ainda bem que o show daquela noite foi cancelado, pois só havíamos tido um dia de ensaios.
Dia 13 – Sexta – Apucarana: Já que era sexta-feira 13 e eu viajava com Raul Seixas, o próprio bruxo, coloquei um pedaço de alho no bolso pra me proteger. Acordamos às 9 horas da manhã e fomos para Apucarana. Com a chuva e o frio intenso, todo mundo sentiu saudades do Rio. Dei três telefonemas para amigos. O show foi num ginásio imenso. Apesar do frio e da chuva forte, conseguimos um bom público: 3.500 pessoas. O Flambo Trio – como fomos chamados – abriu o espetáculo. Tocamos uma música de B.B. King e uma improvisação que termina com Áureo dando um solo incrível na bateria que nunca deixa de ser aplaudido. Raul entrou com uma cara sombria e um casaco preto que o cobria do pescoço aos tornozelos. A plateia era uma mistura de estudantes e pessoas comuns da cidade. Pelo que pude notar, todos estavam de porre, inclusive nós. A gente tinha ensaiado o set do Raul naquela tarde mesmo, e fomos dependendo dele para para indicar as mudanças e acordes, Esse set incluiu Al Capone, SOS, Medo da Chuva, As Aventuras de Raul Seixas, Ouro de Tolo, 10.000 Anos Atrás, um rock & roll que misturava Roll Over Beethoven, Long Tall Sally, Ready Teddy e alguns rocks da sua própria autoria, como o Rock do Diabo. Terminamos o set com Sociedade Alternativa, onde Raul fez um discurso improvisado.
Dia 14 – Sábado – Maringá: Acordamos com um dia azul e frio. Tomamos café rapidamente e fomos para Maringá. Lemos num jornal que o nosso avião cor-de-rosa finalmente havia decolado de São Paulo e que uma das turbinas havia explodido em pleno ar. Mas conseguiu aterrissar numa boa. Nosso show naquela noite foi basicamente o mesmo. Antes do show demos algumas entrevistas. Tudo como se fosse a mesma rotina do dia anterior. Dormimos falando da saudade do Rio.
Dia 15 – Domingo – Apucarana: Ontem aconteceu uma coisa que eu não sabia. Aparentemente alguém entrou no camarim do Raul dizendo pra ‘maneirar’ o seu discurso em Sociedade Alternativa. Raul me disse que esse tipo de coisa é muito comum, e que os pedidos sempre são feitos através de terceiros e nunca pela própria ‘autoridade’. Abrimos o show com Rock Me Baby, do LP de Jeff Beck chamado Truth. Aí, a pedido do Raul Seixas (ele adora Albert King), tocamos Born Under a Bad Sign. Tudo corria bem no set de Raul quando as pessoas começaram a gritar: ‘Rock! Rock! Rock!’. É estranho tocar rock no Paraná e ser recebido com tanto entusiasmo. Quando o Flamboyant toca rock & roll no Rio sente muita resistência. Talvez seja esse o motivo de estarmos mudando nosso repertório e estilo para soul. Depois do espetáculo fomos a um restaurante cheio de gente esperando por Raul. Fizemos algumas amizades e ninguém voltou pro hotel antes das 10 da manhã seguinte. Tinha sido o melhor dia.
Dia 16 – Segunda – Paranavaí: Como sempre, uma viagem sonolenta. Paramos em Maringá para almoçar na casa do Carlos Antônio, o promotor local. Essa coisa de empresário é muito confusa: Raul tem seu próprio empresário, depois vêm os empresários regionais como os Irmãos Mello, e depois os empresários locais (geralmente alguém da própria cidade). O empresário local pode ter um grêmio estudantil ou uma entidade ou sociedade independente. Cada show passa por três mãos diferentes, dando muita confusão. Nós e Raul fomos pagos sem demora, mas os Irmãos Mello tiveram que batalhar para receber sua grana, prometendo ‘bailes’ ou porcentagens sobre shows futuros. Haja saco.
Dia 17 – Terça – Umuarama: quando chegamos a Umuarama não havia reservas e tivemos que ficar num hotel de quarta categoria. O prefeito da cidade decretou um feriado para que os estudantes pudessem assistir o show, num cinema superlotado. Depois do show nos convidaram pra ir a uma boate. No fim era mesmo um bordel, mas mesmo assim bebemos e dançamos com as mulheres. Passei o tempo todo procurando a Gabriela. Esse lugar só podia ser o Bataclan! Tinha até um juiz e várias figuras importantes da cidade. No fim da noite a madame fechou a casa e só ficamos nós. Tem um conjunto que fica lá tocando e resolvemos fazer um show improvisado. Carlinhos tocou órgão, eu toquei baixo e Raul tocou guitarra. O baterista foi mesmo o do conjunto da casa. (Áureo – O Sério- brigou comigo, porque eu disse que John Lennon era ‘muito papo e pouco som’, e foi embora pro hotel). Quando esse som terminou, eu e o Carlinhos fomos embora. O resto do pessoal curtiu os prazeres do salão de bacanal. E de graça!
Dia 18 – Quarta – Campo Mourão: Esse show também foi num cinema, mas choveu tanto que tivemos só metade do público previsto. Depois do show, eu, Áureo e Carlinhos fomos pro hotel jogar cartas. Como não havia ninguém no bar, sentamos perto do balcão e nos servimos de birita à vontade. Só me lembro que fui carregado pro quarto pelo secretário de Raul. E o Áureo me apresentou uma conta de Cr$ 200, dizendo que era o que eu havia perdido pra ele no baralho!
Dia 19 – Quinta – Goiorê: Para chegar a Goiorê, viajamos em estradas de terra durante três horas. Pensei que a gente estivesse em Doge City, no faroeste. Todo mundo andava armado. O show foi no teatro mais caindo aos pedaços que já vi, mas a plateia – composta de vaqueiros, estudantes e prostitutas – foi muito boa. Fomos convidados pra ir a uma churrascaria, mas só o Raul aceitou o convite. Áureo é vegetariano e, sem a gente perceber, estava nos convertendo. Há três dias não comíamos carne. Raul apareceu depois pra nos levar a outra boate. O Áureo, como sempre, ficou no hotel. Os estudantes sumiram com o dinheiro do show. Mello só recebeu às 5 horas da madrugada, depois de muita astúcia e conversa.
Dia 20 – Sexta – Marechal Cândido Rondon: Viajamos 6 horas numa estrada de terra pra chegar a Marechal Rondon. O show foi num clube (Clube Aliança), às 2 horas da manhã. O pessoal mais velho esperava que Raul desse um show como Moacyr Franco havia feito há algumas semanas. Não foi bem assim. Os mais jovens foram para a pista e dançaram freneticamente. Os mais velhos, nas mesas, não enxergavam nada. Aí o Raul fez um discurso bem forte que arrancou elogios da multidão mas chocou completamente os velhos e os diretores do clube. Os promotores, diretores e demais membros da comunidade de Marechal Rondon queriam linchar o Raul depois do espetáculo. Alguns comentários: ‘Subversivo!’ ‘Grosseiro!’ ‘Não vamos pagar, nos recusamos!’ ‘Quem é esse tal de Raul?’
21 – Sáb. 22 – Dom – Cascavel: Tocamos em Cascavel, onde encontrei a japonesa mais bonita que já vi. O repertório agora incluía Be-Bop-A-Lula (onde eu fazia um dueto tipo Everly Brothers com Raul)., Rock Around The Clock e Tente Outra Vez. Fechamos a turnê com chave de ouro.”
Fonte: CATVE e TaratiTaragua
Fotos: Tarati Taraguá